segunda-feira, 9 de abril de 2012

Dilma alerta EUA sobre 'tsunami monetário'

Vera Rosa e Denise Chrispim Marin - Agência Estado 

Washington - Na conversa de uma hora e meia com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na Casa Branca, a presidenta Dilma Rousseff cobrou ontem mais responsabilidade do colega no enfrentamento da crise econômica mundial e isentou a China de todas as consequências nefastas pela desvalorização artificial de sua moeda. "Precisamos ter clareza de que a responsabilidade de todos nós, nesse processo de contenção da crise, de retomada (do crescimento) é compartilhada. Ninguém pode falar: `Não, eu não tenho responsabilidade, não tenho nada com isso. Não é bem assim", disse Dilma, em entrevista.

Roberto Stuckert Filho/ABrDilma com Barack Obama, na Casa Branca: cobranças políticas e parcerias comerciais com os EUADilma com Barack Obama, na Casa Branca: cobranças políticas e parcerias comerciais com os EUA

Descontraída, ela chegou a usar uma expressão mineira (Joãozinho do passo certo) para dizer que ninguém é dono da verdade e afirmou que o Brasil não tem apenas divergências com os Estados Unidos. "Não podemos acreditar - principalmente nós, as duas maiores democracias do continente -, que todo mundo é Joãozinho do passo certo. Nós não somos Joãozinho do passo certo, nem do passo errado."

Apesar da ressalva, a presidenta disse a Obama que o receituário de ajuste fiscal para economias em situação de crise, e também para as superavitárias, não faz sentido. Foi nesse momento que ela cobrou mais investimentos. "Apostar só em políticas monetárias expansionistas leva a um verdadeiro tsunami monetário", insistiu Dilma, repetindo a expressão usada desde o encontro que manteve com a chanceler da Alemanha, Ângela Merkel, no mês passado.

Diante de Obama, Dilma bateu na tecla de que a resposta à instabilidade provocada pela manipulação cambial exige ação conjunta e imediata. Mesmo assim, ao falar em desvalorização de moedas e competição artificial, ela eximiu a China desse processo. A China é parceira do Brasil nos Brics, grupo formado também por Rússia, Índia e África do Sul.

"Os Estados Unidos é um país diferente do resto do mundo. Ele emite moeda", insistiu Dilma, ao dizer que a contribuição da China é diferente porque o país asiático atrelou sua moeda ao dólar. Questionada se os países que emitem moeda têm obrigações com a política fiscal no mundo, Dilma concordou. "Sem dúvida nenhuma", observou.

Mesmo com a cobrança, a presidenta afirmou que a conversa a portas fechadas com Obama, seguida de almoço na Casa Branca, foi "muito positiva". Deu, porém, algumas alfinetadas no colega. Disse, por exemplo, que países ricos como os Estados Unidos não podem exportar a crise. "Somado a isso, outro fator que compromete a retomada do crescimento é a elevação dos preços de petróleo num cenário de restrição da demanda", comentou Dilma.

Segundo o seu relato, Obama admitiu que a adoção de políticas monetárias, dessa maneira, provoca um cenário de dificuldades. Observou, no entanto, que o colega norte-americano acha que o mundo sairá da crise rapidamente. "Ninguém questiona se há ou não esse efeito (de tsunami monetário)", criticou. Dilma disse que o Brasil é, hoje, o único país dos Brics que dá saldo comercial positivo para os Estados Unidos e tem déficit nessa relação. Destacou, ainda, que políticas recíprocas de ampliação do mercado são essenciais para que se eliminem assimetrias.

A questão do programa nuclear do Irã e o cancelamento da compra de 20 aviões Super Tucano da Embraer pela Força Aérea Americana não foram tratados na conversa com Obama, de acordo com Dilma. Mesmo assim, ela disse ter manifestado ao presidente dos Estados Unidos a posição do Brasil de defesa dos direitos humanos.

"O Brasil defende um mundo de paz, de diálogo, de respeito aos direitos humanos e, de preferência, de gestões diplomáticas antes de qualquer outro tipo de medida", afirmou Dilma, numa referência à pretensão norte-americana, não endossada pelo Brasil, de aplicar sanções ao Irã.

Presidenta inclui Cuba na conversa com Obama

Embora não tenha insistido no tema Irã, a presidenta Dilma disse a Obama que a próxima Cúpula das Américas, a ser realizada em Cartagena de Índias (Colômbia), no fim de semana, será a última sem a presença de Cuba, como antecipou o jornal O Estado de S. Paulo na edição de ontem. Trata-se de um jogo combinado com outros países mais alinhados à esquerda, na América do Sul. "Eu disse que não haverá outra Cúpula sem Cuba", contou Dilma. Os jornalistas quiseram saber, então, o que Obama responde. "Nada. Não era uma pergunta. Era uma constatação", devolveu Dilma.

A presidenta disse que a conversa não girou em torno da pretensão do Brasil de integrar o Conselho de Segurança da ONU. Em março do ano passado, quando esteve no Palácio do Planalto, o presidente dos Estados Unidos manifestou "apreço" por essa postulação. "Não tivemos preocupação discussão formal sobre isso Manifestamos preocupação sobre Oriente Médio e o Norte da África. O Brasil sempre prefere evitar conflitos e sempre acrescentamos responsabilidade ao proteger populações civis", comentou Dilma.

Ao ser questionada se os Estados Unidos mostraram-se mais abertos a esse discurso, ela  mostrou contrariedade. "Não vou classificar a posição dos Estados Unidos como aberta, fechada ou entreaberta", devolveu.

Cachaça entra na pauta de acordo bilateral

Washington (AE) - O ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Fernando Pimentel, e o representante de comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, assinaram ontem um pacto por meio do qual a cachaça brasileira e o bourbon norte-americano serão mutuamente reconhecidos como "produtos distintos". 

O pacto referente às aguardentes características dos dois países faz parte de uma série de acordos assinados por ocasião da visita da presidente Dilma Rousseff à Casa Branca para reforçar as relações entre as duas maiores economias das Américas. O documento assinado nesta segunda-feira ainda precisa ser ratificado pelo Departamento do Tesouro dos EUA. Por meio de nota, Kirk qualificou o acordo como "um acontecimento muito positivo para nossas indústrias e um reflexo do compromisso de nossos governos com relações bilaterais de comércio mais fortes".

O acordo significa que somente cachaças produzidas no Brasil poderão ser comercializadas como tal nos EUA. Em contrapartida, somente os bourbons norte-americanos poderão ser assim vendidos no Brasil. O bourbon é uma aguardente de milho normalmente armazenada em tonéis de carvalho e também é conhecida como uísque do Tennessee.

 A cachaça, por sua vez, é cada vez mais popular nos EUA, especialmente para a elaboração da caipirinha. 

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